
- Rocinha!
A resposta é piada, obviamente, porque, apesar de ser certo que desejamos conhecer a maior favela do Brasil, também é certo que até ali estamos nos dirigindo, para isso mesmo nos encontramos nessa esquina de Copacabana, mas a pergunta aponta a qal caminho podemos tomar para seguir conhecendo novos lugares. Gilberto conduz com destreza, como quase todos os cariocas. O caminho pode serpentear, ficar subutamente estreito ou escarpado, pode encontrarse com um ônibus na frente, as luzes altas que ele, não obstante passará, tranquilo, quase “tirando tinta”, uma espécie de Romário no volante. Deixamos para trás o estúdio de Gilberto Gil na Gávea, continuamos subindo, quando de repente, o caminho se abre, então, nosso amigo, guia e protagonista desta história, nos explica que para um lado segue o caminho da Gávea, uma zona exclusiva a esta altura e pelo outro, drásticamente, dramáticamente, começa o caminho da favela.
Mas não há perigo, talvez a rocinha seja mais segura que o Leblon, bairro mais cotado da zona Sul do Rio de Janeiro. Ali, nos explicaram, os traficantes exercem uma espécie de “protetorado”, são menos frequentes os episódios de roubo, diminui o delito que, monopolicamente detêem, desde as sombras e desde sempre os traficantes. Então os problemas chegam quando as quadrilhas rivais entram em conflito. Mas esperamos que isso não ocorra.
Tal como alguma vez havíamos visto na televisão, a Rocinha, ao menos a parte baixa, ao menos em sa rua principal, não se diferencia em quase nada de m bairro humilde de Buenos Aires: tem luz elétrica, há pequenas lojas, alguma bicicleteria e até um ônibus de linha. Também estão os “mototaxis”, que te levam para a parte de cima. Cachorros magros soltos. E do caminho principal saem becos que nos levam a moradias precarias, onde so pode passar um por vez de tão estreito. Nosso carro começa a falhar e temos que parar de um lado da rua entre dezenas de homens e mulheres que conversam, sobem, descem e gritam de um lado a outro, ou tomam cerveja, ou trazem a comida.
“Nossos amigos argentinos querem emoções fortes mas não tantas” – dirá Marianna Leporace – mulher e companheira de Gilberto, nosso guia na favela. Marianna, como seu esposo, é musica e canta. Gilberto, além de músico e professor, tem sob sua responsabilidade a coordenação geral do projeto de que vamos ser testemunhas: a Escola de Música da Rocinha.
Finalmente chegamos ao edifício da prefeitura, onde funciona a Escola de Arte da Rocinha. Dai saiu a BanDaCapo, grupo que gravou um CD sobre a música de João Bosco – com participação do próprio Bosco – e que chegou a tocar na Alemanha. Sobre isto nos conta Gilberto:
Enrique: Da Rocinha a Alemanha …
Gilberto: Tudo começou em 1994 quando o professor Hans Koch, utilizando recursos próprios, criou a EMR. Ele conseguiu uma sala emprestada pela Igreja Metodista da Rocinha e recebeu alguns instrumentos doados pelo São Conrado Fashion Mall, shopping center que fica num bairro de classe alta vizinho à Rocinha. Inicialmente a escola oferecia aulas de Flauta Doce a 14 alunos e um ano depois ampliou sua ação oferecendo também aulas de Violão, Teclado e Canto Coral. Ano a ano foi crescendo o número de alunos e novos cursos foram sendo criados. Hoje a escola atende a mais de 500 alunos em cursos também de Percussão, Cavaquinho, Clarinete, Saxofone, Flauta Transversa, Musicalização e Prática de Conjunto.
Um desses cursos, o de Prática de Conjunto, pode ser considerado o mais importantes da nossa proposta pedagógica. É nele que vários grupos se formam para a produção de trabalhos com vistas à apresentações públicas, e isso fez com que, a partir de 2000, além de sua ação sócio-pedagógica, a escola passasse a ter uma produção artística muito intensa e de grande qualidade.
E: O lado mais escuro da favela ja é vem conhecido - e divulgado - pelos jornais, pelo cinema - caso " cidade de Deus" ou "pixote" ....... mais sempre tem outra esperanza , outro projeto, né ?
G: Sim, aqui na Rocinha, como também nas outras favelas, quase 100% da população é formada por pessoas íntegras, trabalhadoras, pessoas que vivem honestamente e que lutam muito para conseguir viver com dignidade. Mas existe uma minoria que está vinculada ao tráfico e ao crime organizado que é muito poderosa. Infelizmente a mídia costuma dar muita ênfase as notícias relacionadas a essa minoria e divulga muito pouco as ações positivas que acontecem nas favelas, e com isso ajuda a criar junto à sociedade uma imagem muito negativa dessas comunidades.
É importante contar tudo isso, e contar também que nas favelas há carência de infraestrutura em todos os aspectos, mas tem que se ter o cuidado de não destruir a imagem dos seus moradores que como já disse são, em grande maioria, pessoas íntegras e trabalhadoras.E:Tem um excelente CD de um grupo formado na Rocinha, a BanDacapo, onde tocam a musica do Joao Bosco, e onde "o mestre" também colabora...
G: O pessoal da BanDaCapo já acumula uma importante experiência. Em 2003 o grupo gravou seu primeiro CD que foi fabricado na Alemanha e vendido durante uma turnê que o grupo fez em 17 cidades daquele país. Foram 25 shows e quase 1000 Cds vendidos. Na época o grupo se chamava “Seis Que Sabem”, nome que teve que ser mudado porque descobrimos outro grupo com o mesmo nome aqui no Rio de Janeiro. Desde então o grupo fez muitos shows e em 2005 gravou seu segundo CD “BanDaCapo Canta João Bosco”. Hoje, além desse grupo, temos também o “Chorando à Toa”, grupo que tem feito muitos shows aqui no Rio apresentando repertório de choro e samba tradicional. Esse grupo deve gravar seu primeiro CD no ano que vem, provavelmente com repertório de músicas inéditas. É importante ressaltar que a profissionalização desses grupos gera renda para os jovens e gera recursos para o projeto, visto que o dinheiro arrecadado com cachês é dividido entre os músicos e a escola, ajudando na manutenção das atividades.
Fonte: Revista Quilombo - Enrique Yañez
